Paraibano de João Pessoa, Jefferson Cantalice, é professor de Turismo e Hotelaria do Departamento de Turismo e Hotelaria (DTH) da Universidade Federal da Paraíba.
Na primeira edição do CTec Halal, ele apresentou o trabalho “Halal sob a perspectiva da lógica dominante do serviço: uma reflexão teórica preliminar”, oriundo de sua tese de doutorado. A seguir, ele fala não só sobre esta produção, mas também sobre sua relação com o Islam e, consequentemente, o Halal.
Professor Jefferson, como seu deu a sua aproximação com um tema tão ligado ao Islam?
A minha aproximação inicial com a temática se deu quando fui morar em Belo Horizonte para fazer o doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sempre achei interessante a religião. Em seguida, retornando de férias para João Pessoa, participei de uma reunião de um antigo grupo de pesquisa que eu fazia parte na época do mestrado. Lá, o meu antigo orientador falou que um dos temas promissores seria Islamic Marketing e foi assim que eu percebi as coisas convergindo para que eu pesquisasse essa temática. Contudo, a temática Halal de forma específica se deu quando estava participando do Ramadan de 2015 e saí com um grupo de amigos da Mesquita de Belo Horizonte para a quebra do jejum. Foi quando ouvi falar pela primeira vez sobre alimentos Halal. Na ocasião, um colega perguntou se as meninas se importavam em comer um alimento sem ser Halal. Acendeu-me uma luz para pesquisar sobre o assunto na perspectiva do consumidor muçulmano.
O tema do trabalho que você apresentou “Halal sob a perspectiva da lógica dominante do serviço: uma reflexão teórica preliminar” é oriundo de sua tese de doutorado, certo? É possível nos explicar do que se trata de uma forma didática?
Sim, o artigo é um dos resultados da minha tese de doutorado. A perspectiva teórica que abordei foi da LDS ou, como também é conhecida, a Lógica Dominante do Serviço ou Lógica do Serviço Dominante. Basicamente, a LDS vai enxergar todo produto (bens tangíveis) como veículo de um serviço (intangível). Assim, mesmo quando compramos um produto (bem), não o compramos apenas pelo produto em si, mas pelo serviço que ele nos oferecerá. Por exemplo: um analgésico, independentemente da marca ou valor, o que queremos é que ele faça passar a dor. E daí, se observarmos o marketing que os laboratórios e as marcas fazem, o mote é o quão rápido isso acontecerá. Por que? Porque compramos um produto visando o serviço que ele oferece, sendo o produto veículo de um serviço como apregoa a LDS. Certamente, esse é um dos tantos exemplos que podemos ter da aplicação dos princípios da LDS.
Qual é a contribuição ou reflexões que o seu trabalho suscita? Qual foi a sua intenção por meio dele?
A intenção foi trazer uma discussão preliminar sobre a temática da LDS para o contexto do consumo de produtos Halal. Vejam, eu menciono produto, pois traz uma abrangência maior para aplicação do estudo, tendo em vista que produtos se referem a bens e serviços. Logo, o estudo traz essa abrangência, assim como as tantas possibilidades de aplicação da LDS nos contextos de consumo. Deste modo, o trabalho apresentado teve como intencionalidade trazer um “gostinho” da temática, ao passo que a tese traz a abordagem maior assim como a validação de uma escala C-HALAL que apresenta a “Correlação entre religiosidade islâmica e consumo Halal”.
No seu trabalho, fica evidente o seu reconhecimento sobre as contribuições que o Halal oferece – e que vão muito além de saúde e segurança. No entanto, estamos num país de minoria islâmica. Você acredita que o marketing (a Lógica Dominante do Serviço) pode ser um caminho para popularizar os produtos certificados aqui no Brasil – e não só na comunidade muçulmana, mas com foco em todos os que buscam um consumo mais consciente?
Sim. Quando a gente apresenta uma tese, não só desenvolve uma temática inédita, como também defende um pensamento diante de uma banca de cinco professores doutores. Não é um processo fácil a construção da tese e muito menos esse “rito de passagem”. Mas acho que isso prova o quanto eu acredito que esse trabalho pode ser relevante para toda a comunidade islâmica, assim como para a sociedade em geral. Acredito que as empresas que estão no Brasil precisam entender a importância de se priorizar também os grupos socialmente vulneráveis, sobretudo os religiosos, que estão dispostos a pagar em virtude da permanência e manutenção positiva da sua fé e espiritualidade.
Uma das considerações de seu trabalho diz que “a certificação Halal impacta positivamente os negócios, embora algumas empresas ainda não atentaram para este nicho (crescente) de mercado. Na sua opinião, o que precisa ser feito para aumentar esta conscientização e, consequentemente, mais empresas buscarem a certificação?
As empresas precisam saber que esse público existe e que possui um poder de compra gigantesco. E, além disso, estão dispostas a pagar em função da sua religiosidade e devoção. As empresas precisam ver lucro no processo, infelizmente essa é a lógica comercial vigente. E como as empresas vão ficar sabendo? Por meio de iniciativas como o CTec Halal e outros eventos de cunho científico que trazem a aproximação das agentes envolvidos no processo, isto é, academia e mercado.
Por fim, como você ficou sabendo do CTec Halal e por que decidiu apresentar seu trabalho? Qual é a avaliação que você faz sobre o evento?
Sigo várias páginas relacionadas ao Islam. Fiquei sabendo pelo Instagram e na página da International Halal Academy. Eu e minha esposa saímos maravilhados com tanta organização e excelência. Honestamente eu não esperava nada menor que isso diante do que conheço sobre a comunidade islâmica. Pretendo, nos próximos eventos, estar presente mais uma vez.
Jefferson, há algo mais que você gostaria de compartilhar conosco?
O trabalho que apresentei foi 10% do que pesquisei durante o doutoramento. Acredito que a temática Halal ainda tem muito a ser explorada, inclusive com outras aplicações como a que foi trazida no evento sobre Turismo Halal - sobre a qual tenho me debruçado para um futuro pós-doutorado - levando em consideração, sobretudo, minha área de atuação hoje.